LER POESIA EM TEMPOS DE PANDEMIA – Olinda Beja

LER POESIA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Do espetro do nada 
apareceu sem ser esperada…  a solidão 
apareceu e perentória anunciou “de hoje em diante 
eu solidão  vos  condeno  ao  exílio  das  águas  correntes… cristalinas… cantantes… 
ao silêncio das crianças a sair da casa do Mestre 
à míngua de beijos e de abraços afetuosos 
quentes   meigos tímidos tempestuosos… 

Na sua mansarda o poeta tudo ouviu 
mas não se atemorizou 
na solidão sempre viveu, a ela se habituou 
abriu gavetas há muito fechadas 
rebuscou papeis antigos 
onde em tempos de esturdia 
escrevia poemas aos amigos   
e às namoradas 
depois veio a net… a modernice e os papeis ficaram sem serventia 
mas agora em tempo de pandemia
o poeta entendeu por bem voltar a usar 
aquelas folhas e nelas espelhar 
a sua arte  a sua solidão 
que agora lhe servia de inspiração para ouvir
melhor o que se passava na casa dos vizinhos…
até o amor saboreava-o  na cama dos outros que gemia 
na voz feminina que cantava numa prece 
aquela canção que nunca mais se esquece 
“Quem mostra bo es caminho longe? 
Quem mostra bo es caminho longe? 
Es caminho pa São Tomé” 

e a inspiração avançava 
no prédio da frente na varanda do lado 
e o poeta escrevia o seu futuro e o seu passado 

de repente 
no passeio os agentes da ordem impunham
o confinamento a clausura 
guardadores de ruas e fronteiras  
batendo a bota na calçada dando um ar de compostura
à  obrigação  que  a  lei  impunha. Célere  o  poeta  vem  à janela 
arremessando 
os papeis onde começara a escrever a sua saga 
gritando: 
“Leiam amigos! leiam poesia em tempos de pandemia !” 
Incrédulo, um dos agentes se baixou e timidamente começou a 
ler: 
“Nós eramos sete à mesa, eramos sete ao jantar” – mais
alto – gritou o poeta – mais alto… com mais vigor
E o agente encheu o peito e a voz abriu-se em flor!
“Nós eramos sete à mesa, eramos sete ao jantar 
os pais, a avó, a Teresa, o João e o Waldemar  
nós eramos sete à mesa, eramos sete ao jantar 
e a vida simples corria em longínquos cruzamentos
que minha avó transmitia em histórias de momentos
passados junto à lareira a enganar pensamentos.” 

Ouviram-se aplausos e as varandas pediram de novo que
os agentes da ordem,esses homens que também são povo 
lessem  mais.  E  mais.  E  foi  a  vez  de  um agente  feminino  docemente erguer a voz:

“ Um dia chegou porém que o pai adoeceu 
-tísica – disse o médico –  e o seu corpo emagreceu
tanto, tanto, tanto, tanto que o sol desapareceu
de seus olhos cor do mar que só a terra comeu e agora
éramos seis à mesa, eramos seis ao jantar a mãe, a
avó, a Teresa, o João e o Waldemar agora eramos
seis à mesa. Eramos seis ao jantar…” 

Voltaremos amanhã – disseram emocionados
com tais ovações  sentidas 
em janelas e varandas esquecidas  
da solidão imposta pelo invisível inimigo 
que tanta força dava ao poeta desconhecido que escrevia
o que ele próprio agora lia: 

“António conheceu Teresa no baile da romaria prometeu
dar-lhe outra vida. Ele mesmo a levaria pr’a longes
terras de França onde nada faltaria nem mesmo um
filho sem pai que ele próprio lhe faria! A mãe não
compreendia porque partia a Teresa coitada, ela só via
menos um lugar à mesa
e um neto sem ter um pai e um coração de tristeza
e éramos cinco à mesa, eramos cinco ao jantar a
mãe, a avó o João e o Waldemar 
nós eramos cinco à mesa, eramos cinco ao jantar.” E
as janelas se abriam. As varandas, os terraços as
vizinhas que sorriam e sem qualquer embaraço
pediam mais folhas soltas bordadas de poesia e
gentilmente o poeta a todas satisfazia 
e alto, bem alto lia: 

“Mas quando agosto chegou no ano logo a seguir
o João deu a notícia que a mãe não queria ouvir
partia para o Brasil que o tio o queria lá 
para que ele o ajudasse nas terras do seu Pará
onde a riqueza era tanta que João nem hesitou e antes
mesmo do natal num cargueiro embarcou e a nossa
mesa de cinco em quatro se transformou nós
éramos quatro à mesa eramos quatro ao jantar a
avó, a mãe e o Waldemar 
nós eramos quatro à mesa eramos quatro ao jantar.”
E à hora que era esperada os agentes apareciam em busca dos  seus papeis 
que de homens tão anónimos os faziam sentir reis ao
lerem para as varandas o que as folhas escondiam a
vida de um poeta que eles agora sabiam 
por isso liam, e liam… 
“Quando João escreveu contando a desilusão 
que a riqueza do seu tio era no triste sertão 
donde nunca ele sairia pois não ganhava um tostão a avó
chorou tanto, tanto que em breve a morte a chamou e a
casa encheu-se de pranto e a mesa com três ficou já eramos
só três à mesa 
eramos três ao jantar 
o Waldemar e a mãe e a mãe e o Waldemar 
e eu ainda tão criança nem dava para contar 
mas eramos três à mesa, eramos três ao jantar…” 
e era a vez da mulher-agente que ficava comovida
com tanta palavra bela a cimentar uma vida 
ler em voz alta com profunda nostalgia 
o que o poeta escrevia:
“a carta chegou fechada avisando o militar que
pela pátria sagrada teria que ir lutar e o barco
que o levou a uma guerra sem razão regressou 
mas ele não 
só veio uma outra carta com fita negra a dizer
“morreu em defesa da pátria. É herói do Ultramar”
e assim foi o fim inglório do meu irmão Waldemar e
a mãe não resistiu. Pouco tempo sobreviveu a tanta
calamidade que na casa se abateu e de dia para a
noite seu cabelo embranqueceu e seu corpo deu à
terra talvez sonhando ir ao céu” os aplausos eram
tais que toda a gente olhava para a pequena
mansarda que tanta folha enviava e orgulhoso o
poeta a sua saga fechava: 

“no dia em que a mãe partiu a mesa ficou vazia
só eu estava sentado, só eu sozinho dizia nós
eramos sete à mesa, eramos sete ao jantar os
pais a avó a Teresa o João e o Waldemar nós
eramos sete a mesa eramos sete ao jantar”.
e os agentes e os vizinhos que às janelas esperavam
os poemas que um poeta naquelas folhas escrevia
souberam da sua saga em tempos de pandemia 
quando o espetro da solidão lhes ditou rígidas leis
e sempre à hora marcada os vizinhos e os agentes
que agora se julgam reis 
esperavam  outras folhas cheias da tal harmonia 
juntamente com o grito que da mansarda  
se ouvia: 
– Leiam amigos, leiam poesia, em tempos de pandemia!

LEGGERE POESIA IN TEMPO DI PANDEMIA

Dallo spettro del nulla
Apparve  inattesa…la solitudine
apparve e perentoria annunciò “ da oggi in avanti
io solitudine vi condanno all’esilio dalle acque correnti…cristalline…canterine…
al silenzio dei bimbi in uscita dalla casa del Maestro
alla mancanza di baci e abbracci affettuosi
caldi teneri timidi tempestosi….

Nella sua mansarda il poeta tutto ha udito
ma non si è allarmato
nella solitudine sempre ha vissuto, e le si è abituato
ha aperto cassetti da tempo richiusi
ha ricercato fogli vecchi 
dove in tempi di bisboccia
scriveva versi agli amici
e alle innamorate
poi è venuta la net…la modernità e i fogli rimasero senza utilità
ma ora in tempo di pandemia
il poeta ha inteso giusto di nuovo usare
quei fogli e in essi riflettere
la sua arte la sua solitudine
che ora serviva di ispirazione per udire meglio
cosa accadeva in casa dei vicini…
anche l’amore lo assaporava nel letto degli altri che gemeva
nella voce femminile che cantava in una prece
quel canto che mai si dimentica
“Quem mostra bo es caminho longe?
quem mostra bo es caminho longe?
Es caminho pa São Tomé”

e l’ispirazione avanzava
nella casa di fronte nel balcone di fianco
e il poeta scriveva il suo futuro e il suo passato

all’improvviso
nella strada gli agenti imponevano il confino
la clausura
controllori di strade e frontiere
battevano gli stivali dando un tono di compostezza
all’obbligo che la legge imponeva. Celere il poeta viene alla finestra
lanciando
i fogli dove aveva cominciato a scrivere la sua saga
gridando:
“Leggete amici! Leggete poesia in tempi di pandemia!”
Incredulo, uno degli agenti si curvò e timidamente cominciò a 
leggere :
“Noi eravamo sette a tavola, eravamo sette a cena”
-più forte- gridò il poeta- più forte…con più forza
E l’agente gonfiò il petto e la voce fiorì!
“Noi eravamo sette a tavola, eravamo sette a cena
i genitori, la nonna, Teresa, João e Waldemar
noi eravamo sette a tavola, eravamo sette a cena
e la vita semplice scorreva in lontani incroci
che mia nonna trasformava in storie di momenti
passati accanto al camino a distrarre dai pensieri.” 

Si udirono applausi e i balconi chiesero di nuovo
che gli agenti, quegli uomini che sono anch’essi popolo
leggessero ancora. E ancora. E fu la volta di una agente donna dolcemente far udire la sua voce:

“E giunse il giorno che il padre si ammalò
-tisi- disse il medico- e il suo corpo dimagrì
tanto, tanto, tanto, tanto che il sole scomparve
dai suoi occhi color del mare che solo  la terra mangiò
adesso eravamo sei a pranzo, eravamo sei a cena
la madre, la nonna, Teresa, João e Waldemar
adesso eravamo sei a pranzo. Eravamo sei a cena…”

Torneremo domani-dissero emozionati
per le grandi ovazioni sentite
da finestre e balconi dimenticati
dalla solitudine imposta dal nemico invisibile
che tanta forza dava al poeta sconosciuto che scriveva
ciò che lui proprio adesso leggeva:

“António conobbe Teresa al ballo del pellegrinaggio
promise di darle altra vita. Lui stesso la porterebbe
nelle lontane terre di Francia dove nulla mancherebbe
neanche un figlio senza padre che lui stesso  le darebbe!
La madre non capiva perché partiva Teresa
poverina, lei vedeva solo un posto in meno a tavola
e un nipote senza avere padre e un cuore triste
e eravamo cinque a pranzo, eravamo cinque a cena
la madre, la nonna, João e Waldemar
noi eravamo cinque a pranzo, eravamo cinque a cena.”
E le finestre si aprivano. I balconi, i terrazzi
le vicine che sorridevano e senza alcun imbarazzo
chiedevano più fogli ricamati di poesia
e gentilmente il poeta  tutte soddisfaceva
e forte, ben forte leggeva:

“Ma quando agosto arrivò nell’anno che seguì
João dette la notizia la madre non voleva udire
partiva per il Brasile perché lo zio lo voleva là
perché lo aiutasse nelle terre del suo Parà
dove la ricchezza era tanta e João non esitò
e prima del Natale in un cargo imbarcò
e la nostra tavola da cinque a quattro si trasformò
noi eravamo quattro a pranzo eravamo quattro a cena
la nonna, la madre e Waldemar
noi eravamo quattro a pranzo eravamo quattro a cena.”
E all’ora fissata gli agenti giungevano in attesa dei suoi fogli
che da uomini anonimi li rendevano sovrani
nel leggere per quei balconi ciò che celavano i fogli
la vita di un poeta che ora loro conoscevano
perciò leggevano, e leggevano…
“ Quando João scrisse raccontando la delusione
che la ricchezza dello zio era nel triste sertão
donde mai uscirebbe non avendo un tostão
la nonna pianse tanto, tanto che in breve la morte arrivò
la casa  riempì di pianto e la tavola con tre restò
eravamo solo tre a pranzo 
eravamo solo tre a cena
Waldemar e la madre e la madre e Waldemar
e io ancora bambino non ero da contare
ma eravamo tre a pranzo, eravamo tre a cena…”
e venne la volta dell’agente donna che era commossa
da tante belle parole a ricordare una vita
leggere a voce alta con profonda nostalgia
quel che il poeta scriveva:
“la lettera arrivò chiusa avvisando il militare
che per la sacra patria andrebbe a lottare
e la nave che lo portò a una guerra senza senso ritornò
ma lui no
venne solo altra lettera con fascia nera per dire
“morì in difesa della patria. E’ eroe dell’Ultramar 
questa l’ingloriosa fine di mio fratello Waldemar
e la mamma non resistette. Poco tempo sopravvisse
a tanta calamità che su casa si abbatté
dal giorno alla notte il suo capello imbiancò
il suo corpo fu alla terra forse sognando il cielo”
gli applausi eran tanti che tutta la gente guardava
la piccola mansarda che tanti fogli dava
e orgoglioso il poeta la sua saga chiudeva:

“il giorno in cui la madre partì la tavola vuota restò
Io solo ero seduto, soltanto io da solo dicevo
noi eravamo sette a pranzo, eravamo sette a cena
i genitori la nonna Teresa João e Waldemar
noi eravamo sette a pranzo, eravamo sette a cena”.
e gli agenti e i vicini che alle finestre aspettavano
i versi che un poeta su quei fogli scriveva
seppero della saga in tempi di pandemia
quando lo spettro della solitudine dettò rigide leggi
e sempre all’ora fissata i vicini e gli agenti
che ora si sentono sovrani
aspettavano altri fogli pieni di tanta armonia
insieme al grido che dalla mansarda
si udiva:
“Leggete amici! Leggete poesia in tempi di pandemia !”

Olinda Beja Abril de 2020–inédito ( incluso está um poema escrito em maio de 1968 -­‐nós eramos sete à mesa -­‐)
RESERVADOS OS DIRETOS DE AUTOR

Complaints